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Jornal Caderno Jurídico

Direito Constitucional

Estado democrático de direito, censura e liberdade de expressão

1/12/2022 às 0h11 - Gleison do Prado
Divulgação Gleison do Prado “Qualquer imputação ao canal de comunicação antes da divulgação da informação é censura prévia, o que é claramente proibido”, explica Gleison do Prado

O Estado de Direito possui uma característica singular ao passo que ele, o próprio Estado, se submete ao império da lei, devendo cumpri-la. A democracia, por sua vez, segundo o livro Vocabulário Jurídico do jurista De Plácido e Silva (2012, p. 203), “é o governo do povo, pelo povo e para o povo”. Juntos: Estado, Democracia e Direito, formam a base da estrutura constitucional da nação brasileira.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou uma série de direitos e garantias fundamentais à cidadania. Entre eles a livre manifestação do pensamento, insculpida no artigo 5, inciso IV.

Se expressar de modo a manifestar um determinado pensamento, compartilhar conhecimentos e contribuir com ideias são corolários do artigo 216, inciso I da CF/88 que dispõe sobre o patrimônio cultural da sociedade brasileira.

A legitimação da imprensa encontra amparo no artigo 220 da Carta Magna: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Estabelece ainda os parágrafos 1º e 2º do referido artigo que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” e que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Muito se tem debatido nos últimos dias a respeito da censura aos meios de comunicação acometida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no período que antecede o segundo turno das eleições gerais para presidente.

 

O que é censura?

Mas, afinal de contas, o que é censura? De Plácido e Silva explica que “a CF/88 assegura, em seu artigo 5, IX, a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, e ensina o autor que a censura “exprime a função do censor ou daquele que promove o censo, designando, de igual modo, o cargo da autoridade que dirige ou que recebe o censo”.

Em meio a críticas e discussões sobre a decisão do TSE, nos reservamos ao espaço de tecer considerações estritamente jurídicas sobre os fatos, livres de qualquer comunhão partidária, de modo a destacar o conteúdo do Direito e externar nossa imparcialidade ao evento, como intérprete da Constituição.

 

O que é o TSE

O TSE é um órgão da Justiça Eleitoral (cf. artigo 118, I da CF/1988) e é composto por no mínimo sete membros, sendo três juízes dentre os ministros do STF, dois juízes dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e por nomeação do presidente da República, dois juízes dentre os advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo STF (cf. artigo 119 da CF/1988).

Sobre o tempo do exercício da magistratura no Tribunal, dispõe o artigo 121, § 2º da CF que “os juízes dos Tribunais Eleitorais, salvo motivo justificado, servirão por dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria”.

Sobre a função do TSE, a dicção do artigo 22 do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965) determina que a ele competirá processar e julgar originariamente registro e cassação de partidos políticos e candidatos à presidência e vice-presidência da República, conflitos de jurisdição entre Tribunais Regionais, suspeição e impedimento de seus membros, crimes eleitorais, entre outras funções. Adverte o artigo 23 do diploma eleitoral que compete privativamente ao TSE responder sobre consultas de matéria eleitoral, requisitar a força federal necessária para o cumprimento da lei e tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da lei eleitoral.

Muito embora seja incumbido de fazer valer a lei ao caso concreto, seria o TSE órgão legitimado para restringir conteúdos jornalísticos sobre os candidatos à Presidência da República?

 

Jovem Pan censurada

Vital deixar claro que faltando pouco mais de uma semana para o segundo turno das eleições, o TSE decidiu que o canal de comunicação Jovem Pan está impedido de comentar sobre os processos judiciais que envolveram o ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo análise do parágrafo 3º do artigo 121 da Carta Cidadã, ao STF cabe analisar e “dar a última palavra” sobre decisões do TSE quando este Tribunal decidir de modo contrário à CF.

É preciso destacar algumas indagações sobre os fatos:

 

i) liberdade de expressão não é liberdade de agressão? (cf. trecho do discurso do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, em sua posse no cargo de Presidente do TSE, proferido dia 17/8/2022);

ii) houveram agressões da Jovem Pan ao narrar fatos passados relacionados a condenação do candidato Lula?;

iii) a restrição imposta pelo TSE configurou censura de modo a contrapor as regras de liberdade de imprensa resguardadas na CF?;

iv) se sim, haverá tempo do STF analisar e julgar a matéria, haja vista que faltam poucos dias para o 30 de outubro?;

v) quais serão as consequências jurídicas da decisão do TSE?;

vi) como ficará a (in)segurança jurídica?;

vii) pode-se afirmar que o Brasil vive atualmente em meio a instabilidade institucional dos três poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário)? e;

viii) a liberdade de expressão da imprensa é um direito absoluto?

 

Os questionamentos parecem não ter fim. Para algumas perguntas, as respostas apresentam-se inconscientemente de forma evidente; para outras, não.

As indagações geram uma série de reflexões, e, por oportuno, valemo-nos das palavras de São Francisco de Assis: senhor, dai-me forças para mudar o que precisa ser mudado; resignação para aceitar o que não pode ser mudado; e sabedoria para distinguir fatos difíceis de serem compreendidos.

Enfim, ficará ao encargo do (e)leitor avaliar o atual cenário e responder para si os questionamentos propostos.

Nos apoiamos em afirmações bibliográficas e jurisprudenciais. Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada, 2022, p. 1504) “caso haja abuso por parte da publicação de matéria pela imprensa, o órgão e outros responsáveis poderão responder por indenização por perdas e danos, mas sempre depois de ter havido a publicação”, pois, qualquer imputação ao canal de comunicação havido em momento anterior a divulgação da informação constitui censura prévia, o que é expressamente proibido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

José Miguel Garcia Medina em sua obra a Constituição Federal Comentada (2021, p. 104) comunga da mesma posição doutrinária sobre a configuração da censura prévia e acrescenta que a liberdade de expressão encontra óbices quando confrontada com outros direitos fundamentais, como, por exemplo, a proteção da intimidade, a ofensa ao credo religioso e a vedação da prática do racismo.

 

Os superiores bens jurídicos

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 496, destacou o ministro Luís Roberto Barroso que, “de acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do STF, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e, em casos de grave abuso, faz-se legítima a utilização do Direito Penal para a proteção de outros interesses e direitos relevantes”. Em outra ADPF (número 130, relator ministro Ayres Britto), extraímos a lição de que “os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo, prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras”. Como visto, a doutrina e jurisprudência brasileira tem se (pre)ocupado desses assuntos que, convenhamos, são de larga repercussão social, pois surte efeitos diretos na vida do cidadão brasileiro.

Assim como eles, nos (pre)ocupamos com os deslindes constitucionais, políticos e sociais, de modo particular, a contribuir responsavelmente com o conteúdo de sua leitura, caro amigo. Fraterno abraço! Até breve!

 

Gleison do Prado de Oliveira é acadêmico de Direito, graduado em Ciências Contábeis com pós em Gestão Pública e Direito Tributário.

 

Artigo publicado na versão impressa do Caderno Jurídico, de sexta-feira, 21 de outubro de 2022, página 7. Acesse também www.jornalcoluna.com.br.

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