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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

Registro não autorizado da intimidade sexual e a grave derrapada do legislador

31/7/2019 às 1h56 | Atualizado em 31/7/2019 às 1h59 - Denis Caramigo
Divulgação Denis Caramigo “Admitir que se aplique a tipicidade do artigo 216-B, caput, do Código Penal quando envolver somente uma pessoa como sujeito passivo é aceitar o afronte ao princípio da legalidade penal”, explica o criminalista Denis Caramigo

Muito se fala e se discute acerca do crime de divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia (artigo 218-C do Código Penal), porém, o que pouco se debate é um crime que também se apresenta como “novo” em nosso ordenamento jurídico, por meio da Lei 13.718/18, e que merece muita atenção, pois o legislador cometeu uma falha muito relevante e que, certamente, será objeto de questionamentos nos tribunais.

Antes de prosseguirmos, deixamos claro que abordaremos neste esboço uma questão sobre a aplicação da tipicidade do artigo 216-B do Código Penal, respeitando as regras penais que transitam o nosso ordenamento jurídico, recomendando, assim, a melhor doutrina para aqueles que tiverem interesse em maiores conhecimentos sobre o tipo sem a polêmica aqui trazida.

Vejamos o que estabelece o artigo 216-B do Código Penal:

 

“Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:  (incluído pela Lei 13.772, de 2018).”

Pena – detenção, de 6 meses a 1 ano, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (incluído pela Lei 13.772, de 2018).


Assim, de acordo com o artigo 216-B do Código Penal, o simples ato de praticar quaisquer dos verbos descritos quando envolver conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participanteS, restará configurado o crime.

Dessa forma, como podemos observar, em primeiro plano, a questão sobre o tipo penal aqui discutido é o NÃO consentimento das vítimaS (sujeitos passivos). Fizemos questão de colocar no plural a palavra “vítimas” justamente para chamar a atenção, pois o tipo penal é taxativo quando fala em “participanteS”.

Ora, se o tipo fala em “participanteS”, só se pode punir alguém pelo caput do artigo 216-B quando este alguém praticar a conduta em face de mais de uma pessoa envolvida, sob pena de atipicidade da conduta do referido artigo se assim não o for. O tipo penal é taxativo e não admite analogia in malam partem.

Embasa ainda mais o nosso posicionamento quando analisamos o parágrafo único do mesmo tipo penal. Vejamos:

 

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (incluído pela Lei 13.772, de 2018).


Aqui sim admite-se a conduta em face de somente uma pessoa, pois é exatamente o que o tipo prevê. Quando a redação estabelece “pessoa”, estamos falando de somente um sujeito passivo, tendo em vista que a palavra encontra-se no singular.

Fazendo uma comparação muito feliz, pois já obtivemos êxito em caso prático exatamente com a situação que iremos expor, podemos citar o artigo 288 do Código Penal, que possui a seguinte redação:

 

Associação criminosa

Artigo 288. Associarem-se 3 ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (redação dada pela Lei 12.850, de 2013) (Vigência).

Pena – reclusão, de 1 a 3 anos. (redação dada pela Lei 12.850, de 2013) (Vigência).


O tipo penal fala em “...cometer crimes...” e não em cometer “crime”. Assim sendo, não existe o delito de associação criminosa quando envolver somente um crime por falta de expressa previsão legal.

Com tal entendimento aplicado ao crime do artigo 216-B, caput, do Código Penal, a conduta tipificada nos verbos quando em face de somente uma pessoa não poderá ser regida pelo dispositivo, sob pena de ferir o princípio da legalidade (artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal e artigo 1º do Código Penal):

 

“Não há crime sem lei anterior que o defina (...).

 

Ademais, dando maior força à nossa tese, se pegarmos os artigos 240 ao 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tratam da proteção da criança e do adolescente no que tange a questões de cunho sexual (no mesmo contexto do dispositivo que aqui discutimos), percebemos claramente a intenção do legislador de abrigar em tais dispositivos a proteção individual de cada indivíduo, tendo em vista que as palavras “criança” e “adolescente” estão no singular nas tipicidades elencadas.

Em nossa visão – técnica – foi uma tremenda derrapada do legislador quando não se atentou a este detalhe, pois, não há de se ter nenhuma interpretação da norma quando esta é expressa, taxativa e legal, ainda mais em prejuízo de quem, supostamente, nela incide.

Admitir que se aplique no caso concreto a tipicidade do artigo 216-B, caput, do Código Penal quando envolver somente uma pessoa como sujeito passivo é aceitar o afronte ao princípio da legalidade penal, já tão ferido e agonizante nos dias atuais.

 

Denis Caramigo Ventura é advogado criminalista especialista em crimes sexuais.

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