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Jornal Caderno Jurídico

Concursos

Carta aos servidores públicos

1/7/2019 às 20h41 - William Douglas
Divulgação William Douglas William Douglas: “Trate os outros como gostaria de ser tratado”. Jesus, com essa lição, ensinou como podemos ser bons servidores.

Sei que vários de vocês já me conhecem em virtude do tempo do concurso público. Aliás, parabéns, vocês conseguiram! Nunca se esqueçam de o quanto desejamos a aprovação e que ela veio. Nunca nos esqueçamos de todos os benefícios que temos. Sabemos o quanto é difícil, sabemos as injustiças que às vezes sofremos, mas conquistamos algo muito bom e onde podemos fazer muita diferença.

Amo o serviço público e acredito que apesar de todos os percalços, somos privilegiados. Um privilégio alcançado pelo esforço e justo na medida em que cumprimos nossos deveres. As leis que nos protegem são prerrogativas e se justificam moralmente se formos bons servidores. Creio mesmo que temos grande influência em para onde vai o país e que podemos fazer diferença. Juntos, mudaremos muito; individualmente, quando menos mudamos a vida de quem atendemos.

Escrevo essa carta após, na qualidade de juiz federal, ver servidores públicos criando estratégias indecentes para negar direitos de cidadãos. Exatamente isso. Ao invés de entregarem o que a lei manda, servidores públicos se prestam a enrolar, adiar, questionar, “empurrar com a barriga”.

Temos vários colegas de serviço público complicados. Todos sabemos que o servidor corrupto é danoso, e muito. Sempre espero que a gente se livre deles! Não há muito o que dizer a um servidor que se vende. Eu apenas diria a um deles o seguinte: “Saia disso. Não vale a pena”. Mesmo antes de ser pego o custo é mais alto do que qualquer vantagem que se possa obter.

Ocorre que esta carta não é para os corruptos. Esta carta é para os outros. Sim, pois pode ser que mesmo sem se envolver em corrupção, você esteja cometendo alguns erros graves, e sobre eles tomo a liberdade de falar. De colega para colega.

Um bom servidor pode salvar uma vida, uma empresa, uma história. Conheço dúzias e dúzias de histórias lindas de servidores que usaram seu poder para construir, e não para destruir. Temos ilhas de eficiência e servidores maravilhosos, mas devemos reconhecer que também temos muito a corrigir e casos graves de desídia e ineficiência.

Óbvio que temos servidores maravilhosos, comprometidos e dedicados. Temos pessoas que vão regularmente além do dever e se matam e esforçam ao máximo para cumprir seu papel mesmo diante de dificuldades absurdas, como faltar gaze e esparadrapo no hospital, e gasolina e munição nas viaturas policiais. Sabemos disso. Porém, precisamos fazer nosso mea culpa e enfrentar problemas reais entre nós, os servidores públicos.

 

Os casos que abordarei são:

1) O servidor com excesso de exação

2) O servidor com motivos pessoais ou ideológicos

3) O servidor ressentido com a Administração

4) O servidor preguiçoso

5) O servidor incompetente

6) O servidor arrogante

7) Um caso gravíssimo

 

1) O servidor com excesso de exação

O primeiro tipo de servidor complicado é o com excesso de exação. Por ideal, por receio de ser confundido com um corrupto, por desejo de servir bem, por preocupação com eventuais punições, temos servidores que dizem “não” para tudo. Conheço colegas juízes que têm medo de conceder liminares ou assinar alvarás que envolvam quantias elevadas, por exemplo. Isso é covardia, é ser mau servidor e é maldade. E isso ocorre em vários lugares. É sempre mais fácil e mesmo mais seguro negar tudo, “enfiar a faca”, dar um “dane-se”.

O excesso de exação na atuação, quando busca fazer o ente público se furtar aos seus deveres, ou negar direito ao particular, não é meritório, mas sim reprovável. Quem faz isto não está ajudando o país nem é mais nobre, ao contrário: prejudica o particular, ao seu próprio bom nome e a credibilidade e eficiência do serviço público.

Não é ocioso lembrar que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições” (artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, Lei número 8.429/92). Equivoca-se aquele que entende que é correto mover “mundos e fundos” para um ente público não cumprir as obrigações legais. Prejudicar o cidadão, não lhe entregando o direito que detém, é conduta reprovável e que fere a ética, seja a do bom serviço público, seja a constitucional, seja a que se espera de qualquer pessoa. O Estado não pode agir em relação aos cidadãos como se fossem seus inimigos. Não é demais esperar que as normas legais que amparam o particular sejam cumpridas.

Às vezes o servidor honesto é tão ruim para as pessoas quanto o corrupto. Um toma o direito do particular e o devolve mediante paga em dinheiro ou outras vantagens. O outro, que quer ser honesto, toma o direito e não o devolve nunca. Às vezes ainda diz que a pessoa pode “procurar a Justiça”. Isso é crueldade. Todos sabem os custos, riscos e demoras de se procurar o Judiciário.

 

2) O servidor com motivos pessoais ou ideológicos

Às vezes, vejo até mesmo o caso da inveja. O servidor encontra alguma pessoa com melhores posses do que ele e desconta sua frustração criando dificuldades para o particular. Noutros casos, a questão é ideológica. Alguns servidores querem fazer distribuição de renda através da força que têm, alcançando o coitado do cidadão que caiu em suas mãos. Infelizmente, temos magistrados, membros do MP, fiscais e outros tipos de servidores que têm raiva, inveja, ressentimento ou até mesmo ódio dos ricos, ou daqueles que não professam a mesma ideologia, ou a mesma fé, ou o que for. Mal sabem que não podemos levar nossos problemas psicológicos e nossas frustrações para a atuação. Na qualidade de servidores, devemos... servir. Da melhor forma possível, o mais rápido possível, com a maior simpatia possível. Aplicar a lei sim, mas sem crueldade. Nesse caso entra o servidor que decide pensando em promoções, eleições ou com medo da opinião pública. Não podemos cair nessa vala: temos a lei e o bom senso, eles precisam imperar.

Não podemos, sob pena de prática de prevaricação, indevidamente retardar ou deixar de praticar ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição legal expressa, visando a satisfazer interesse pessoal.

 

3) O servidor ressentido com a Administração

Há servidores que descontam nos particulares todas as suas insatisfações com o governo. Não teve aumento, pau no povo! Não teve férias, pau no povo! Faltou papel higiênico na repartição, pau no povo! De novo, prevaricação, pelo menos. Mas todos sabem que acontece, e muito.

Penso que existem duas relações autônomas. Uma relação é com a Administração, que deve respeitar nossos direitos e nos dar condições de trabalho. Outra relação é com a população, que é a quem devemos servir. O povo é o titular do poder, é o “patrão”. Não podemos descontar nossa insatisfação nas pessoas que devem ser atendidas. Isso é injusto, é maldade.

Na 4ª Vara Federal de Niterói, nosso time entende que o governo e o Congresso podem tirar nossos reajustes, nossos direitos, nossa paciência, mas jamais vão tirar nossa dignidade. A forma como o governo nos trata diz respeito a quem é o governo, mas a forma como atendemos as pessoas diz respeito a quem somos. Que levemos todas nossas lutas e insatisfações a quem é o culpado por desrespeitá-las, mas que jamais deixemos esses problemas afetarem a qualidade do nosso serviço.

Outro caso de servidor ressentido é o daquele que não comunga com a linha ideológica do governo. Uma forma de manifestar seu desapreço e irresignação é trabalhar mal. Ora, a insatisfação política deve se expressar no espaço político e não no administrativo. No cargo, ninguém pode ser de direita ou de esquerda: tem que ser servidor cumprindo seus deveres. O exercício político é legítimo, mas não usando o cargo. Não podemos esquecer: nós não trabalhamos para o governo A ou B, mas para o povo. Os governos passam, nós, os servidores, permanecemos. Temos que pensar não como agentes do governo, mas do Estado.

 

4) O servidor preguiçoso

Não é preciso dizer muito sobre este caso. Vale, contudo, dizer que o serviço público – infelizmente – por sua natureza, é um lugar favorável a este tipo de pessoa. A dificuldade para se fazer demissões e punições por desídia e indolência é muito maior do que na iniciativa privada. Cabe aos chefes não permitir esta atitude e tomar as providências cabíveis. Não agindo assim, estarão fazendo seleção às avessas. O bom servidor deve ser prestigiado e condutas reprováveis devem ser... reprovadas. Deixar crescer a erva daninha da preguiça vai prejudicar as boas árvores que temos.

Porém, há uma boa notícia para os preguiçosos: cumprida a carga de trabalho, não há lugar mais tranquilo para se ter as garantias que temos. Logo, basta não exagerar na preguiça. Cumpra logo, e bem, e com inteligência, suas tarefas, e vá curtir sua vida. O que não pode é esquecer que somos pagos por um povo pobre e sofrido e não querer fazer nada.

 

5) O servidor incompetente

Não basta ser trabalhador. O incompetente motivado e trabalhador destrói muita coisa. Não basta motivação e proatividade. Já foi dito que todo cadáver no topo do Everest é de uma pessoa que era motivada, proativa e estava fora de sua zona de conforto. É preciso adquirir as habilidades para o cargo. Infelizmente, nem sempre os concursos as cobram e nem sempre a Administração Pública não providencia suficiente treinamento e reciclagem. Aqui, precisamos de um esforço da Administração, dos líderes e do próprio servidor em busca de constante qualificação e aperfeiçoamento.

 

6) O servidor arrogante

Juízes, médicos, alguns políticos, alguns empresários e alguns bilionários são conhecidos por sua aparente noção (obviamente equivocada) de que são deuses. O problema é que esse mal, muito comum e conhecido, acomete vários servidores. A soma da falta de bom senso e de humildade com a dificuldade do serviço público em punir esse tipo de atitude faz com que muitos maltratem as pessoas. Sabendo que a pessoa do outro lado do balcão não tem muito o que fazer, que os órgãos de controle, as ouvidorias e corregedorias não são prestas o bastante, muitos fazem o que bem querem. Uns trocam o cumprimento do dever de ofício (já pago pelo contribuinte) por dinheiro. São os corruptos. Outros, não, pois preferem apenas a comodidade e o prazer sádico de deixar as pessoas a sua mercê. Nada mais insuportável que lidar com pessoas arrogantes que se valem do serviço público para destilar sua insuportabilidade.

 

7) Um caso gravíssimo

Um caso muito ruim, dos mais graves, é o do servidor misto de preguiçoso, incompetente e ressentido, que usa qualquer coisa como desculpa para não fazer nada. Ele age como uma vítima do governo, da vida, das verbas cortadas e das dificuldades naturais da vida. Como ele gostaria que houvesse um helicóptero na repartição, ou como a repartição não tem o helicóptero que deveria ter, tal servidor se sente autorizado a não produzir. Isso é um absurdo.

Claro que sempre temos que trabalhar por melhores condições de trabalho e, quando menos, pelas condições adequadas, mínimas. Ocorre que não podemos esquecer que o país é pobre, que os recursos são limitados e que a população, sofrida, precisa de ajuda, de socorro. Ao lado disso, com criatividade e inteligência é possível produzir mais e melhor com menos recursos. A 4ª Vara, por exemplo, está demandando menos servidores desde que começamos a utilizar o EPROC.

O caminho já foi dado por Theodore Roosevelt: “Faça o que pode, com o que tem, onde você está”. Vamos florescer onde estamos plantados, vamos fazer o possível com o que temos.

 

Punições não regulamentadas

Espero que a sociedade e a Administração Pública aprendam a evitar, coibir, reprimir e punir todos esses tipos de maus servidores. Não penso que sejam pessoas más, mas apenas pessoas que precisam ser orientadas, recicladas, treinadas etc. Se mudarem, melhor para todos; se não mudarem, não devem encontrar mais espaço no serviço público. Porém, enquanto essa evolução não acontece em toda a extensão que necessitamos, vale um aviso. Estudo muito física, tanto a newtoniana quanto a quântica. Acredito profundamente na ação e reação e na lei da semeadura, que funciona desde a agricultura até os confins do universo: tudo o que as pessoas semeiam, colhem. É uma lei não só física, mas também espiritual (não no sentido religioso, mas no sentido de oposição ao que é meramente físico). A lei da oferta e da procura não está escrita, nem foi um dia publicada no Diário Oficial, mas é inexorável. Seja através das ações da natureza, seja através (para os que acreditam) da ação de Deus, confio que aqueles que praticam a corrupção e as maldades acima descritas serão punidos às vezes pelo homem, mas sempre pela natureza. A corrupção e a maldade às vezes se expressam em pecúnia, noutras em arbítrio, excesso de exação, vingança, indolência, incompetência ou vaidade. Em todos os casos, estamos diante de atitudes e condutas a serem retiradas do espaço público.

 

Premiações não regulamentadas

As mesmas leis físicas que garantem consequências para quem age mal, asseguram aos que agirem bem os bons frutos merecidos. Logo, muito além de qualquer recompensa administrativa, as quais nem sempre acontecem, é inexorável que venham prêmios imateriais. O sono dos justos e a sensação de dever cumprido, o legado moral, o olhar tranquilo no espelho e a confiança de que se fez o melhor são prêmios de alto valor e com profundas consequências na saúde emocional, mental e física tanto do bom servidor quanto de todos que estão ao seu redor. Indo além, a Psicologia Positiva já demonstrou que servir, ser generoso e trabalhar para algo maior que si mesmo são atitudes que produzem felicidade. Não bastasse isso, para os que acreditam, Deus promete várias recompensas aos que se preocupam com a justiça, com o pobre e com o necessitado.

Vale anotar que ao fazer justiça aos ricos, aos empresários e aos que empreendem, há repercussão positiva para a sociedade e para os pobres, pois quem produz riqueza, tributos, empregos e atividade econômica não são os servidores públicos e o governo, mas os empreendedores. Logo, espera-se que o governo e os servidores ajudem a economia através de seus agentes, ou ao menos não atrapalhem. Uma premiação por fazer isso será ter um país com mais riqueza, empregos, segurança e todos os bens da vida previstos no artigo 6º da CF, que trata dos direitos sociais.

 

Conclusão

Apenas à guisa de conclusão, vale deixar a todos os servidores, aos bons, aos maus, aos que estão perdidos, aos que estão bem, aos que querem melhorar, uma preciosa linha de atuação, um princípio simples e extremamente poderoso: a Regra de Ouro. Ela diz simplesmente o seguinte: “Trate os outros como gostaria de ser tratado”. Jesus, com essa lição, ensinou como podemos ser bons servidores. Independentemente de se você tem alguma religião ou não, ou qual, essa lição pode ser uma bússola moral e comportamental a complementar as normas regulamentares que todos temos a seguir. Se cada servidor seguir essa orientação, tornaremos o serviço público um grande instrumento da justiça, do bem e da transformação do nosso país. Aplicar a lei sim, dizer “não” quando for o caso, mas sempre com educação, simpatia, rapidez, competência e eficiência. Sempre de boa-fé, sempre respeitando o próximo, sempre respeitando o povo. Se você não está em nenhum dos casos acima, meus parabéns! Se está, nem que seja para que sua vida melhore, mude. Não podemos continuar com servidores ruins, temos que melhorar nossa atuação. O povo merece. O povo precisa.

 

William Douglas é juiz federal, professor universitário, escritor e conferencista. Foi primeiro colocado em diversas seleções. É autor do best seller “Como Passar em Provas e Concursos”.

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