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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

A volta da censura em nome da democracia; como o STF quer calar o Brasil

4/4/2019 às 22h46 | Atualizado em 4/4/2019 às 22h55 - Cláudia Piovezan
Divulgação Cláudia Piovezan "Não é estranho que quando o cerco parece se fechar em torno da suprema corte, esta instaure um procedimento criminal para investigar quem ouse manifestar a sua suspeição?", indaga a promotora Cláudia Piovezan

Uma Procuradora de Justiça de Minas Gerais foi processada e punida administrativamente pelo Conselho Nacional do Ministério Público por ter expressado o que todo brasileiro de bem tem engasgado na garganta: ela criticou o Supremo Tribunal Federal. Alguns conselheiros chegaram a tentar lhe aplicar pena de disponibilidade compulsória, mas ao final, a sanção foi uma censura. Ela, decerto, foi calada para sempre e ainda teve de pagar o próprio advogado, ao que sei até o momento, nem a associação de classe a defendeu ou a sua liberdade de expressão.

http://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/11958-cnmp-aplica-duas-penalidades-de-censura-a-procuradora-de-justica-que-ofendeu-ministros-do-stf-no-twitter

Há algum tempo, um cidadão brasileiro encontrou o ministro Lewandowski no avião e lhe disse que o STF é uma vergonha. Foi preso ainda dentro da aeronave e conduzido para a Polícia Federal, e nem havia crime para lhe ser imputado.

Hoje, o presidente do Supremo Tribunal Federal instaurou, de ofício, um inquérito, que será presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, para apurar fake news, denunciação caluniosa, ameaças e crimes contra a honra praticados contra ministros e seus familiares.

A portaria do ministro não aponta fato determinado e nem quem seriam os investigados, o que causa enorme estranheza e preocupação.

Tem sido, ao menos desde a Constituição Federal, impensável que um juiz instaure um procedimento investigatório de ofício para ele mesmo investigar crimes. Para isso existem a Polícia Judiciária e o Ministério Público. Vale lembrar que, até muito recentemente, havia ministros no STF que entendiam que nem o Ministério Público, órgão acusador por natureza e dono da ação penal, poderia investigar.

Há anos, órgãos de investigação têm sido proibidos de iniciar investigações sem objeto específico, determinado. No ato normativo 01-2015, da Polícia Civil do Paraná, por exemplo, está previsto que quando o inquérito policial se iniciar por portaria, ela deve preencher requisitos:

Artigo 8º. A portaria inaugural deverá conter, além dos dados relativos a data, horário, local da ocorrência e enquadramento penal, um relato sucinto da infração penal e, quando possível, da autoria.

O Conselho Nacional do Ministério Público tem atado as mãos de Promotores de Justiça e Procuradores da República lhes impondo intermináveis regras procedimentais para as investigações, para contenção da atuação de seus membros, sob o fundamento de evitar investigações inquisitoriais. Tornou-se regra básica, cuja inobservância leva à advertência dos agentes ministeriais, a instauração de procedimentos investigatórios criminais, com a delimitação do seu objeto e se possível com a indicação do investigado, a fim de evitar “violações de direitos” e/ou dificuldade de defesa.

Eis a Resolução 181, de 2017, do CNMP:

Artigo 4º. O procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das diligências iniciais. Parágrafo único. Se, durante a instrução do procedimento investigatório criminal, for constatada a necessidade de investigação de outros fatos, o membro do Ministério Público poderá aditar a portaria inicial ou determinar a extração de peças para instauração de outro procedimento.

Recentemente, diversas pessoas, inclusive parlamentares, protocolaram no Senado Federal representações pugnando pela instauração de processo de impeachment contra ministros do STF (denunciação caluniosa segundo o STF?). Alguns ministros são suspeitos de graves fatos que têm sido noticiados pela imprensa. Não é estranho que quando o cerco parece se fechar em torno da suprema corte, esta instaure um procedimento criminal para investigar quem ouse manifestar a sua suspeição?

O que significa para essa suposta democracia um juiz investigando crimes em tese praticados contra si e contra seus pares? Como entender essa atitude vinda de um tribunal que resolveu criar tipos penais de opinião, como é o que se verifica com o julgamento em andamento que pretende criar crime de homofobia e transfobia?

Algumas pessoas e órgãos têm me causado muito medo. Hoje não temo apenas me tornar uma das mais de 60 mil vítimas de homicídio ou latrocínio, temo me tornar mais uma vítima de imputações criminosas por condutas e crimes inexistentes. O mundo de Joseph K., o surreal personagem de Franz Kafka, está no nosso horizonte, às vezes até parece que já vivemos no mundo orwelliano de 1984.

O Conselho Nacional do Ministério Público decidiu regulamentar a liberdade de expressão dos membros do Ministério Público. Em breve receberemos nosso toque formal de silêncio, não sem antes haver toda uma encenação de “debate democrático com a sociedade e com a classe”.

 

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http://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/11910-o-ministerio-publico-e-a-liberdade-de-expressao-e-o-tema-da-nova-revista-do-cnmp

http://www.cnmp.mp.br/portal/images/direto/liberdade_de_express%C3%A3o.pdf

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Cláudia Morais Piovezan. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina; mestre em Direito Comparado e Ambiental pela Universidade da Flórida, Gainesville-FL; idealizadora e organizadora do Fórum Educação, Direito e Alta Cultura; aluna da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais e do Curso On line de Filosofia; promotora de Justiça da Comarca de Londrina, no Estado do Paraná.

Artigo publicado originalmente no mciradio.com.br.

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