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Jornal Caderno Jurídico

Direito Penal e Processual Penal

Encarceramento em massa e distorção de dados: a verdadeira política criminal no Brasil

30/3/2019 às 20h42 | Atualizado em 30/3/2019 às 20h54 - Guilherme Nucci
Divulgação Guilherme Nucci “Nos últimos 25 anos, o Estado, fraco e leviano, permitiu o crescimento de organizações criminosas dentro dos presídios. Até acordos foram feitos entre governo e chefes do crime organizado para não haver rebeliões”, critica Nucci

Em primeiro lugar, é preciso destacar que o Governo brasileiro, até hoje, nunca demonstrou satisfatoriamente qual seria a sua política criminal no tocante ao combate à criminalidade. Ora, surgem leis rígidas, ora, lei liberais, até levianas. Entretanto, em torno do debate acerca da mais adequada política criminal para o Brasil, emergem várias publicações – jornais, revistas, artigos jurídicos, comunicados televisivos, etc. – falseando o número preciso de pessoas condenadas e presas no sistema carcerário nacional. A quem interessa essa inverdade? Penso que àqueles que não desejam o diálogo franco, mas a discussão emocional acerca do problema da segurança pública.

Inúmeros articulistas, alguns até de renome, lançam dados inverídicos, sem nem mesmo apontar a sua fonte, afirmando existirem mais de 730 mil presos no Brasil (fora mandados de prisão a cumprir). Sabe-se que fontes também falham, existindo as confiáveis e as inconfiáveis.

Vou utilizar uma fonte, a meu ver, confiável, que é o Conselho Nacional de Justiça (http://www. cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa. php, acesso em 19.1.19), resultando no seguinte quadro:

a) condenados no regime fechado: 325.917;

b) condenados no regime semiaberto: 115.986;

c) condenados no regime aberto: 9.209;

d) presos provisórios: 240.189;

e) prisão domiciliar: 6.054.

Total: 697.355 pessoas ligadas ao sistema penal.

Somente por essa avaliação, nota-se a inverídica afirmação de que temos, no Brasil, mais de 700 mil presos no regime carcerário fechado. A partir disso, insere-se o Brasil em terceiro lugar no ranking dos países que mais prendem. Acima do nosso país, estariam somente EUA e China. Com esse discurso emotivo e não correspondente à realidade, pretendem muitos penalistas, articulistas e políticos convencer a sociedade de que o Judiciário prende demais. De maneira irracional até.

Os dez países com maior população carcerária do mundo são:

a) EUA, com 2.217.000;

b) China, com  1.657.812;

c) Rússia, com 642.444;

d) Brasil, com 607.731 (dados inverídicos);

e) Índia, com 418.536;

f) Tailândia, com 313.580;

g) Irã, com 225.624;

h) México, com 225.138;

i) Turquia, com 174.460;

j) Indonésia, com 161.692 (https://top10mais.org/top-10-paises-com-a-maior-populacao-carceraria-do-mundo/, acesso em 19.1.19).

Levando em conta os dados constantes do site do Conselho Nacional de Justiça, tem-se apenas 325.917 presos condenados no regime fechado. Verifique-se a proporção dos presos em face da população brasileira em torno de 209.000.000 de pessoas.

Além disso, com base nos 325.917 presos, o Brasil seria o quinto país com volume de presidiários, algo compatível com a sua população e também com os inúmeros problemas sociais existentes.

Ao contrário da liberação geral, deve-se aumentar o número de vagas Brasil afora para dividir as quadrilhas e isolar totalmente os seus comandantes. Sem comunicação, qualquer organização sofrerá de inanição.

As pessoas condenadas em regime semiaberto estão em colônias penais, onde não há celas, mas alojamentos coletivos e existe o direito de saída temporária. Infelizmente, não são poucos os lugares nos quais as colônias viraram autênticas Casas do Albergado, ou seja, o preso sai de manhã para trabalhar e volta no fim do dia. São 115.986.

As pessoas condenadas em regime aberto estão em suas residências, pois não há Casa do Albergado no Brasil. Criou-se a famosa Prisão Albergue Domiciliar (P.A.D.). Não há fiscalização alguma. Em tese, o condenado deveria dormir em sua casa e somente dela sair para trabalhar. São 9.209.

Pode-se argumentar que existe um elevado número de presos provisórios (240.189). Mas esses presos não são condenados e devem ser colocados nos Centros de Detenção Provisória. Não podem ser incluídos na população carcerária de quem já é definitivamente condenado. Afinal, a qualquer momento, o preso provisório pode ser liberado por habeas corpus ou outra decisão judicial. Enfim, esse número é variável.

Alguns utópicos escritos, nessa seara, defendem o aumento de penas restritivas de direitos e a diminuição do encarceramento. Essa seria a solução para o Brasil, pois dizem que o sistema está superlotado.

Ora, já há previsão de penas alternativas para os crimes cujas penas máximas não ultrapassem 4 anos de reclusão (ou detenção), atingindo inúmeros delitos. Outros crimes violentos contra a pessoa ou com penas superiores a 4 anos (crimes graves) só podem seguir para o regime carcerário. Para o Brasil diminuir os seus 325.917 presos em regime fechado, seríamos obrigados a dar pena alternativa para roubo, extorsão, homicídio, estupro, furto qualificado, tráfico de drogas etc.? É isso mesmo que a sociedade almeja de seus governantes?

Colocar o número de presos em mais de 700 mil (sem explicar como funcionam os regimes fechado, semiaberto e aberto) é uma maneira falaciosa de impedir o Estado de trabalhar pelo aumento do número de vagas no sistema prisional. Ter um sistema superlotado, para alguns, serve a discursos variados, inclusive pedidos de soltura pela indignidade do cárcere. Ora, para resolver as mazelas do sistema fechado, é fundamental abrir novas vagas, conferindo a indispensável dignidade da pessoa humana no cárcere. Trabalhar por condições dignas aos presos implica:

a) mais vagas no fechado;

b) colônias penais aparelhadas, que não virem casas do albergado;

c) efetivar casas do albergado para os abrigados no aberto;

d) mais vagas nas casas de detenção provisória.

É esse o objetivo: construir presídios e abrir vagas, o que não se faz no Brasil, de maneira eficiente, há muito tempo.

Afinal, os governantes sabem perfeitamente bem que presos não são fontes positivas de aumento de votos; melhorar as condições carcerárias não é nem mesmo divulgado pela maioria dos políticos; para grande parte da sociedade, os presos podem permanecer em total degradação física e moral, o que impede muito governantes de agir.

Para o Brasil diminuir os seus 325.917 presos em regime fechado, seríamos obrigados a dar pena alternativa para roubo, extorsão, homicídio, estupro, tráfico de drogas, etc.?É isso mesmo que a sociedade almeja de seus governantes?

Há algumas opiniões interessantes, dizendo que, para recuperar o controle dos presídios (tomados por organizações criminosas), só existe um caminho: esvaziar os presídios. Assim, as organizações não mais teriam seguidores. Sem dúvida. Seria o mesmo que colocar os doentes para fora do hospital, evitando-se assim a falta de leitos. O Estado – fraco e leviano – permitiu nos últimos 25 anos o crescimento de organizações criminosas dentro dos presídios (até acordos foram feitos entre pessoas do governo e chefes do crime organizado para não haver rebeliões). Agora, o estágio é de confronto, para evidenciar quem é mais forte: o Estado ou crime organizado.

Ao contrário da liberação geral, deve-se aumentar o número de vagas Brasil afora para dividir as quadrilhas e isolar totalmente os seus comandantes. Sem comunicação, qualquer organização sofrerá de inanição.

O momento brasileiro exige o fortalecimento do Estado, mais vagas no regime fechado, recomposição do regime semiaberto e concretização do regime aberto. Fora disso, somente alterando a lei. E, assim fazendo, há de se respeitar a vontade da sociedade, que precisa ser bem informada, com dados honestos e não supervalorizados.

 

Guilherme de Souza Nucci é livre-docente em Direito Penal, mestre e doutor em Direito Processual Penal pela PUC-SP. Professor concursado da PUC-SP, atuando nos cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado). Desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Artigo está na versão impressa de março de 2019. Também pode ser lido no guilhermenucci.com.br.

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