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Jornal Caderno Jurídico

Política

O culto inconsciente à autoridade é o fim real da liberdade de expressão

5/12/2018 às 23h17 | Atualizado em 19/12/2018 às 19h21 - Andre Melo
Divulgação Andre Melo "Não existe meia liberdade. Ou se tem liberdade ou não se tem coisa alguma", observa Andre d'Melo

Atenção: Motivado pelo risco real de prisão, reservo-me no direito não constitucional de proibição de expressão para não citar o nome do ministro e do tribunal.

 

A polêmica do momento é a faceta autoritária de um magistrado que trabalha em Brasília. Parece que foi unânime o juízo de reprovação social do “dotô supremo juiz”, porém, alguns fizeram ressalvas ao comportamento do nobre advogado. Essa ressalva revela um problema muito sério de percepção da realidade, pois além do comportamento do advogado ter sido exemplar, o que se viu foi uma autoridade em flagrante de crime de abuso de autoridade e um cidadão no exercício legítimo da liberdade de expressão.

O discurso daquele que se apresenta com uma falsa altivez de espírito, mas que condena o comportamento do advogado ou equipara o cidadão ao juiz violador do ordenamento, esquece a total ausência de eficientes mecanismos populares de controle de abusos cometidos por determinados agentes públicos. Parecem abraçar a ideia de que toda autoridade deve ser respeitada apenas por ser autoridade e, consequentemente, goza de um status superior aos demais cidadãos. Ou seja, a autoridade está acima do espírito republicano e do ordenamento jurídico. Ato contínuo, esse discurso fica ainda mais esquisito se forem analisados casos em que autoridades atuam sistematicamente contra o cargo, o ideal de justiça e a pátria. Num sistema político legal que protege o estamento político e burocrático, é um crime achar que o cidadão não deveria reagir com descontentamento ou repúdio.

A ideia da liberdade de expressão, especialmente nos EUA, surge exatamente para permitir que o cidadão afronte, critique ou xingue uma autoridade. Compreendo que ela foi uma consequência natural do abandono da percepção de que o poder da autoridade emanava de Deus, ou seja, se a autoridade é homem como qualquer outro, nada impede o exercício da palavra para cobrança e críticas. Se todo poder emana do povo, é mais do que natural permitir que o titular do poder questione abertamente os que foram investidos no poder. Enxergar de outra forma é o mesmo que ter uma mente extremamente servil e que transformou a palavra autoridade em dogma de automática submissão. Em outras palavras, substituiu uma divindade abstrata e subjetiva por uma divindade humana que está autoridade.

O mais grave é não perceber que chamar o comportamento do advogado de inadequado, inoportuno e indesejável compromete inclusive o protesto coletivo de insatisfação. Justifica-se tal afirmação no sentido de que tudo que não é permitido no âmbito do indivíduo, logicamente é proibido no âmbito coletivo. Se no campo das ideias a livre manifestação de indignação individual é repudiada, o mesmo se aplicaria aos protestos de massa.

Para explicar melhor o parágrafo anterior, faz-se necessário entender o que é individualismo metodológico.

Além do comportamento do advogado ter sido exemplar, o que se viu foi uma autoridade em flagrante de crime de abuso de autoridade e um cidadão no exercício legítimo da liberdade de expressão.

Sociedade, estado e empresa são entes abstratos, isto é, não existem no mundo real. São nomes que servem para categorizar um agrupamento de indivíduos. Aliás, as ações desses entes são tomadas por indivíduos, uma vez que o ente não tem capacidade de agir pelo fato de não existir.

O professor e cientista político Adriano Gianturco faz a seguinte observação acerca do individualismo metodológico:

“O individualismo metodológico é a única e real unidade de análise; são os indivíduos, só eles têm interesses, vontades, e só eles agem. Entes coletivos, como estados, partidos, grupos, movimentos, sociedades, países, não agem, não têm interesses, não têm vontades. Levando isso às extremas consequências, os entes coletivos não existem mesmo. São sempre e só a aglomeração de indivíduos diferentes; quando os membros de um determinado grupo mudam, os interesses e as ações podem mudar. O coletivismo metodológico não é uma opção, pois não é científico, não é real; é abstrato e irreal. Nesta corrente não se fala das unidades de análises; isso está fora de discussão e é assim que se subtrai à crítica. É usado de forma implícita, às vezes inconsciente e acrítica, pela maioria dos autores que nunca estudaram as duas metodologias e escolheram, mas simplesmente lhes foi ensinada só uma e a internalizaram de forma passiva, automática. Não há como fazer ciência se não com o individualismo metodológico.”

É importante lembrar que o criador do individualismo metodológico foi Max Weber. Ele mesmo dizia o seguinte: “se agora sou sociólogo, então é essencialmente para pôr fim nesse negócio de trabalhar com conceitos coletivos”. Além de não enxergar a realidade como parâmetro, o coletivismo metodológico parte da criação de premissas absolutas para se alcançar uma conclusão previamente desejada. Todavia, o individualismo metodológico é a análise do caso concreto que se fundamenta na lógica, na razão e na realidade para se alcançar a verdade objetiva.

Portanto, como existem apenas indivíduos, os protestos com agrupamento dos mesmos também seriam vistos como inadequados, inoportunos e indesejáveis.

O CNJ analisará o auxílio-moradia, ou seja, além do aumento do subsídio para R$ 39.000,00, talvez seja mantido o privilégio de mais de R$ 4.000,00. Tal privilégio ingressa no bolso das autoridades como verba indenizatória e, por via de consequência, não é tributável no Imposto de Renda. Se seguir a lógica da manifestação “inadequada, inoportuna e indesejável”, por mais que possa surgir uma nova real hipótese de prejuízo aos cidadãos, não é recomendável pessoas irem para a porta CNJ com o objetivo de constranger as autoridades porque a autoridade não deve ser importunada.

Enquanto se discute o ato do advogado, descuida-se do papel ativo dos cidadãos na mudança do país e o problema de mentalidade dos detentores do poder no Brasil. As associações de magistrados e um grupo de advogados lançaram nota de apoio ao “espetacular” ministro. Será que depois de tudo o que foi visto ainda há alguém que insista na ideia de submissão irrestrita?

Recomenda-se a busca da essência das coisas e a análise descritiva de alguns fatos para depois apresentar algumas prescrições. O que mais vemos são pessoas embriagadas pela filosofia política. O perigo disso é o afastamento da lógica política, uma vez que a filosofia é em grande parte prescritiva e muitas vezes não factual. O método científico parte da descrição para depois – se possível – apresentar prescrições ou soluções para problemas. No caso da política, nunca se deveria partir da ideia acerca do que os políticos deveriam fazer ou o que o estado deveria fazer, e sim o que fazem, o que causam e quais são as consequências reais da atuação desses personagens. O campo do “deveria” é absolutamente abstrato e subjetivo. A consequência disso são as discussões intermináveis, pois todos os lados apresentam soluções com total desprezo a realidade.

Por fim, lembre-se que não existe meia liberdade. Ou se tem liberdade ou não se tem coisa alguma.

 

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CNJ deve discutir auxílio-moradia no dia 18, diz Toffoli: https://www.oantagonista.com/brasil/cnj-deve-discutir-auxilio-moradia-no-dia-18-diz-toffoli/?fbclid=IwAR1preDflyBsEb6WdAKPEq7zrnMqAxk-OtrIeIEjn2MCtjnmyhgBKO1AI00

Juízes saem em defesa de Lewandowski: https://www.oantagonista.com/brasil/juizes-saem-em-defesa-de-lewandowski/?fbclid=IwAR1YIrBjKb0FQ_KmeB_G33_YitIxeUVd6DLNP45koCdnpKyYIO7i4oLn-M0

Advogados também defendem Lewandowski: https://www.oantagonista.com/brasil/advogados-tambem-defendem-lewandowski/?fbclid=IwAR38W-FBB6EUpknwSMCdIL53m2bQryRafV07re2zw1rtAJlvFor_QqwTjKg

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Andre Bourguedes d’Melo é analista político e especialista em Direito com formação Humanística pelo Programa de Pós-graduação Latu Sensu da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).

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