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Jornal Caderno Jurídico

Política

As entrelinhas dos discursos políticos dizem muito

8/10/2018 às 21h08 | Atualizado em 8/10/2018 às 21h13 - Valdecir Pagani
Luiz Roberto Prandi Valdecir Pagani “Melhor seria que o acesso aos tribunais fosse por eleição entre os pares e sem a participação do Executivo ou do Legislativo”, observa Pagani

Quem conhece um pouco de nossa história (especialmente da organização política brasileira) não estranha a declaração feita por Ciro Gomes, à TV Difusora do Maranhão: “O Lula tem alguma chance de sair da cadeia? Nenhuma! Só tem chance de liberdade se a gente assumir o poder e organizar a carga. Botar juiz para voltar para a caixinha dele, o Ministério Público também e restaurar a autoridade do poder político.”

É que, historicamente, esse “povo” (Juízes e Promotores), sempre foi – com exceções – subserviente ao poder político, pois dependentes de nomeações para ingresso e progresso na carreira (o MP era um “puxadinho” do poder Executivo). Daí que, normalmente, boa parte dos profissionais sempre “ficavam devendo alguns favores” pelo caminho...

Essa triste forma de se fazer as coisas (à brasileira), começou a mudar com a Constituição de 1988, que passou a exigir não só concurso para acesso a qualquer carreira de Estado, com concursos sérios e deu autonomia funcional e financeira ao Judiciário e ao Ministério Público (mais garantias como inamovibilidade, por exemplo). E o Poder Político perdeu sua “influência” sobre “esse povo”. Os novos profissionais (que ingressaram após 1988) já entraram libertos dos grilhões políticos. É comum – hoje – ouvir nos corredores do foro a frase “não devo nada a ninguém...”

Nunca antes na História desse país se investigou tanto o poder político e nem tantos políticos foram parar atrás das grades, mas isso não se deve a bondade deste ou daquele partido de “ter deixado” investigar e sim a mudança de mentalidade “desse povo”, que – exatamente por não dever nada a ninguém – passou a entender que a palavra “ninguém” (da frase ninguém está acima da Lei) também abrangia os integrantes do poder político. Fica fácil, assim, entender o saudosismo de Ciro (“mandar esse povo de volta para a caixinha deles”).

Ainda há resquícios do “ancién regime” (de manter “esse povo” sob rédea curta dos políticos), resistindo bravamente entre nós: a manutenção da famigerada “nomeação” pelo Executivo (com sabatina do Legislativo) para acesso aos Tribunais, especialmente os Tribunais Superiores (seja na cota de magistrados, seja na cota do MP, seja na cota dos advogados). O objetivo desse sistema é fazer com que o nomeado “fique devendo um favorzinho”, o qual, sempre será cobrado em época conveniente... Os exemplos dos efeitos deletérios para a sociedade dessa prática estão estampados nos jornais todos os dias.

Não creio que os escândalos recentes (protagonizados por nomeados fiéis) desmereçam o sistema de composição dos tribunais (3/5 de magistrados, 1/5 de advogados e 1/5 de promotores), pois isso vivifica a justiça, permitindo que as decisões sejam tomadas não apenas por um ponto de vista, mas pelo ponto de vista de profissionais forjados com diferentes experiências. Não creio ser esse o problema. O problema é a nomeação.

Nunca antes na História desse país se investigou tanto o poder político e nem tantos políticos foram parar atrás das grades.

Melhor seria que o acesso aos tribunais (incluindo aos superiores) fosse efetuado por eleição entre os pares (sem a participação do Poder Executivo ou do Legislativo). Explico: há uma vaga no Tribunal pelo quinto dos advogados. Os interessados se candidatam (nada de a diretoria da Ordem escolher seus apadrinhados), sendo que eventualmente a legislação pode exigir alguns requisitos ao candidato (tempo de atuação, titulação mínima, etc.) e todos os advogados do Paraná (se a vaga for no TJPR) votam para escolher quem é que irá ocupar a vaga. O mesmo em relação aos juízes e promotores. E o mesmo em relação aos tribunais superiores.

Para logo, teríamos tribunais compostos por profissionais que também não devem nada para ninguém. OU melhor: devem apenas obediência fiel e irrestrita à Lei e à Justiça.

 

Valdecir Pagani. Mestre em Direito Processual e Cidadania, coordenador do curso de Direito da Universidade Paranaense (Unipar), câmpus Umuarama/PR e professor titular da Escola da Magistratura do Paraná.

Artigo publicado no jornal impresso, quinzena de 3 a 17 de outubro de 2018.

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