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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Entenda a decisão do Supremo sobre o HC coletivo para presas grávidas

6/10/2018 às 9h28 | Atualizado em 9/1/2019 às 23h41 - Thiago dos Santos Oliveira
Luiz Prandi 18/12/2017 Thiago dos Santos Oliveira Thiago: em caso de dúvida o magistrado pode solicitar laudo social

O Supremo Tribunal Federal (STF), julgando historicamente, em fevereiro deste ano, o Habeas Corpus 143.641, que teve como relator o ministro Ricardo Lewandowski, proferiu decisão de que todas as mulheres submetidas à prisão provisória no sistema prisional de nosso país, estejam gestantes, lactantes ou mães de filhos menores de 12 anos de idade e estejam sob sua responsabilidade, possam aguardar em prisão domiciliar, excluindo casos onde crimes foram praticados com violência ou grave ameaça, contra seus filhos ou, ainda em situações excepcionais.

“Venham a mim as criancinhas”, para quem é cristão, conhece bem esta frase e consegue facilmente assimilar a seu autor, Jesus Cristo, que utilizou deste discurso nos evangelhos sinóticos. Mas em que se assemelha com a decisão do STF? De acordo com nossa Carta Magna, em seu Artigo 5º, inciso LVII, está previsto que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, sendo que, ao se comparar a decisão do STF, pode-se ter um conceito errado de impunidade, onde mulheres não são punidas, somente pelo motivo de terem filhos ou estarem grávidas. Mas, na realidade, esta decisão traz claramente que as mulheres, em caráter de prisão provisória, poderão ter o benefício de não ficarem encarceradas, diferentemente daquelas que cumprem pena, que não seriam beneficiadas por tal decisão. Na verdade, essa decisão não beneficia as mulheres que estão sendo acusadas, mas sim seus filhos (as crianças), amparados por tanto pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Este benefício já era previsto no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941) em seu Artigo 318, incisos IV e V, que traz o seguinte texto: “Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: IV – gestante; V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos”, redação esta que foi incluída pela Lei 13.257/2016, que modificou o Código de Processo Penal. Com a decisão do STF, este “poderá” trazido pela legislação é substituído por “deverá”, onde a ideia é retirar a abordagem do magistrado em reforçar a cultura do encarceramento. Ao se analisar o sistema carcerário sucateado, as condições sub-humanas dos presidiários, começamos a entender que o convívio de crianças com suas mães, ou a gestação no sistema prisional, é totalmente inviável, visto que se trata de um local insalubre e sem condições humanas de acompanhamento da gestação, acarretando assim o aumento da mortalidade infantil. Poucos presídios do Brasil possuem celas especiais para mulheres gestantes e um menor número de presídios possuem creches ou pessoal capacitado, como enfermeiros e médicos, para cuidar das crianças nascidas dentro do sistema prisional.

Juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando a detenta for gestante ou mulher com filho de até 12 anos.

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 5º, Inciso L, dispõe que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. Este direito é dado à todas as presidiárias, estando elas em prisão provisória ou definitiva, mas como mencionado anteriormente com o sucateamento de nosso sistema prisional, o modo que se é tratado as presidiárias lactantes é inconstitucional, já que na maioria das vezes os presídios não oferecem condições adequadas para ser realizado esta tarefa de aleitamento. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 7º, 8º, 9º, dentre outros, enaltecem os direitos fundamentais, como o direito à vida e à saúde, deixando claro que é totalmente inviável a convivência de uma mãe presidiária com seu filho no sistema carcerário atual.

Considerando a frase popular “as crianças são o futuro da nação”, como será o futuro ao privar estes da convivência familiar? Mesmo que sua genitora seja suspeita de algum delito, levamos em conta a questão psicológica da separação, punindo além da genitora também sua família, chegando a seus descendentes que não tem nenhum grau de atuação nas atitudes ou atividades ilícitas elaboradas pela mãe. As palavras do relator senhor ministro Ricardo Lewandowski, “em suma, quer sob o ponto de vista da proteção dos direitos humanos, quer sob uma ótica estritamente utilitarista, nada justifica manter a situação atual de privação a que estão sujeitas as mulheres presas e suas crianças, as quais, convém ressaltar, não perderam a cidadania, em razão da deplorável situação em que se encontram”.

Assim, a concessão deste habeas corpus coletivo vem em especial proteger as crianças, em cumprindo assim com o artigo 5º da CF/88, em suas alíneas III, VIII, XLV, XLIX, L e LVII, não submetendo principalmente o menor a tratamento desumano, degradantes ou tortura em nosso sistema carcerário, assegurando que a pena não se transmitira do condenado a um terceiro, ou seja, obedecendo ao princípio da pessoalidade, o aleitamento materno pelas presidiárias, além de chamar a atenção pelo sistema carcerário falido que possuímos e que precisa urgentemente de uma reforma considerável, com a separação e apropriação do cárcere para que os presidiários em geral possam cumprir pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito e observando as suas particularidades como a gestação ou amamentação, respeitando a integridade física e moral das mesmas e de seus descendentes que precisam permanecer em companhia.

Ainda, as palavras proferidas no voto do relator senhor ministro Ricardo Lewandowski, “é certo que o Estado brasileiro vem falhando enormemente no tocante as determinações constitucionais que dizem respeito a prioridade absoluta dos direitos das crianças, prejudicando, assim, seu desenvolvimento pleno, sob todos os aspectos, sejam eles físicos ou psicológicos”.

Com esta decisão, compete ao magistrado conceder a prisão domiciliar se estiver enquadrado os requisitos exigidos, levando em conta quando a detida for reincidente, devendo o juiz analisar se a prisão domiciliar se mostra viável ou não, substituindo assim por medidas alternativas mencionadas no artigo 319 do CPP. Ademais, deve ser analisado também se a mãe está em sua função de genitora ou se está somente utilizando-se do benefício para poder estar em liberdade, podendo na dúvida requisitar laudo social. Assim respeita-se a dignidade da pessoa humana, o convívio familiar e não se deixa desacolhido o menor que poderia sofrer traumas psicológicos muitas vezes irreversíveis, mas também não deixando para traz o senso de justiça, exigindo da genitora o cumprimento das observâncias ao conceder o benefício de prisão domiciliar.

 

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A BIBLIA. Versão Católica. Lucas 18:15-16. Marcos 10:13-16 e Mateus 19:13-14. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/vc>. Acesso em: 30 maio 2018.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível< em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 30 maio 2018. 

BRASIL. Lei 8.069/1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Promulgada em 13 de julho de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 30 maio 2018.

BRASIL. Decreto-Lei 3.689/1941. Código de Processo Penal. Promulgada em 03 de outubro de 1941. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 30 maio 2018.

BRASIL. Lei 13.257/2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância. Promulgada em 08 de março de 2016. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm>. Acesso em: 30 maio 2018.

STF. Habeas Corpus 143.641. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Dj 20/02/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em:< https://www.jusbrasil.com.br/ diarios/documentos/556807722/andamento-do-processo-n-143641-habeas-corpus-16-03-2018-do-stf?ref=topic_feed>. Acesso em: 30 maio 2018. 


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Escrito por Thiago dos Santos Oliveira, bacharel em Ciências Contábeis (Unipar), bacharelando em Direito (Unipar) e participante do Programa de Iniciação Científica, PIC/Unipar, câmpus Umuarama/PR.

Orientado pelo professor Alessandro Dorigon, mestre em Direito Processual e Cidadania (Unipar), especialista em Direito e Processo Penal (UEL), especialista em Docência e Gestão do Ensino Superior (Unipar), professor adjunto da Unipar, advogado criminalista e autor do livro “Execução Civil da Sentença Penal e o Novo CPC” (Juruá, 2017).

Publicado no impresso, quinzena de 3 a 17 de outubro de 2018.

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