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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Castração química é a saída? Constitucional?

23/4/2018 às 10h02 | Atualizado em 23/4/2018 às 11h28 - Thiago dos Santos Oliveira
Luiz Roberto Prandi Thiago dos Santos Oliveira “O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é indispensável, vedada a negativa da pessoa, não podendo tratar o ser humano como um simples objeto”, afirma Thiago

Não poderia fechar o ano mais contente e realizado! Estou estreando no Caderno Jurídico! Uma alegria incomensurável ver meu trabalho nas páginas deste grandioso jornal! O Espaço Acadêmico se tornou um precioso meio de estudo e discussão dos projetos. A sala de aula está dentro do jornal e só grandes veículos de comunicação como o Caderno Jurídico nos permitem isso. Agradeço a Deus, minha família e ao professor Luiz Roberto Prandi pela correta e sempre atenta orientação. Tenho muito orgulho em ser estudante de Direito. Meu primeiro artigo é sobre a castração química para estupradores. Boa leitura!

Claramente, ao passar dos anos vemos a evolução da humanidade, em âmbitos tecnológicos, produção científica e outros aspectos, mas acompanhando tais evoluções, observamos também aspectos um tanto primitivos voltarem à tona na sociedade. Dentre esses, o estupro, de modo crescente vem vitimando cada dia mais e mais mulheres e até mesmo crianças, despertando, em todos, sentimento de repúdio e até mesmo de impunidade, visto a busca pela justiça, que muitas vezes, por causa de leis brandas, em nossa legislação, acarreta em impunidade, mesmo diante das atrocidades cometidas.

Este tipo de violência não se restringe a um local, região ou país. Se espalham pelo mundo atrocidades cometidas contra mulheres como, por exemplo, o ocorrido em Manaus/AM, onde um taxista forçou uma jovem de apenas 18 anos com uma chave de fenda. Também de crianças como o ocorrido na cidade de Paranatinga/MT. O vigia de uma escola municipal cometeu barbaridades com meninas de 8 anos, numa sala de aula utilizada para depósito. E estupros coletivos, como o ocorrido em Peruíbe/SP. Uma jovem de 18 anos foi abusada e estuprada por três homens. Dois menores de idade. Os três casos aconteceram neste ano.

 

E o que sobra para a vítima? 

As sequelas, doenças, traumas psicológicos e em casos não isolados, os danos são tão sérios que as vítimas atentam contra sua própria vida. Pergunta-se: as penas praticadas em nosso país são muito brandas? A finalidade da prisão seria a ressocialização dos indivíduos e nesses casos específicos funciona? Psicologicamente esses indivíduos que cometem tal crime têm cura? Será mesmo que todos os homens são estupradores em potencial, como muitas feministas argumentam em redes sociais?

 

O que é o estupro?

Entramos em outros aspectos. O estupro é o ato da penetração somente? E o estupro psicológico? E a violência, sem o ato da penetração, deveria ser enquadrada como estupro? Perguntas e perguntas que veem a mente. Pois bem, segundo nosso ordenamento jurídico a definição e classificação desse tipo de crime é muito mais ampla do que imaginamos. Começamos tal assunto a luz do Código Penal, artigo 213, “dos Crimes contra a Liberdade Sexual” traz o seguinte texto: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Assim eliminamos o que muitos pensam que o estupro é somente o ato da penetração sem consentimento, mas sim a interação física entre o suspeito e a vítima, como, por exemplo, a “encouchada”, ou mão na bunda da vítima poderia ser enquadrada como estupro. Lembrando que muitos juristas enquadram esse determinado crime como “importunação ofensiva ao pudor”, prevista na Lei de Contravenções Penais (LCP), em seu artigo 61.

Vários projetos tentam introduzir esse conceito no ordenamento jurídico. Um deles é do deputado federal Jair Bolsonaro.

Qual a diferença do enquadramento um com o outro? O primeiro é considerado um delito mais grave, com punição de reclusão conforme descrito no CP. Já o segundo se trata de delito mais leve, com menor potencial ofensivo e sua pena é baseada em multas. Um dos casos mais famosos de enquadramento dessa Contravenção Penal foi o ocorrido em SP, onde um homem ejaculou no pescoço de uma mulher dentro do ônibus. Este sujeito não foi enquadrado no crime de estupro, mas sim na importunação ofensiva ao pudor, baseando-se na LCP, gerando multa simples e não a prisão em flagrante como o que determina em caso de estupro. Todos lembram o que ocorreu dias depois. O mesmo sujeito cometeu o mesmo ato em outro ônibus.

 

Desmitificando a punição química

Tendo já uma visão um pouco diferente do que é estupro, partimos para a premissa de qual a punição adequada para o estuprador. O recolhimento do indivíduo no sistema carcerário é a melhor saída? Tratamento psicológico ou até mesmo a muito falada castração química seriam soluções mais viáveis? Chegando ao ponto que os debates são lançados, as saídas apontadas por políticos em busca de votos da sociedade que não tem o conhecimento adequado sobre a matéria, são colocadas como a porta mais viável, vendido como a solução para os problemas que castigam a humanidade.

Primeiramente, o que é a castração química? Segundo a professora Mara Elisa de Oliveira, em seu artigo publicado na revista Consultor Jurídico em 2012, “a castração química é uma forma temporária de castração ocasionada por medicamentos hormonais”, ou seja, a aplicação de injeções semanais que inibem o apetite sexual nos indivíduos do sexto masculino. Com as palavras do professor Urologista da Universidade Federal de SP, doutor Alex Meller, essas injeções semanais “tentam bloquear a testosterona, diminuindo drasticamente o desejo sexual e até a ereção”. Este tipo de penalização ou tratamento (muitas vezes chamado) é utilizado em alguns estados dos EUA. Seu surgimento foi na Califórnia, em 97, com a previsão de pena no artigo 645 do seu “Criminal Code”, que serviu assim como base para outros Estados aprovarem leis semelhantes.

Na Inglaterra, por iniciativa do Instituto de Neurociência da Universidade de Newcastle, se oferecem medicamentos antidepressivos e inibidores de libido a pacientes voluntários, que cometeram crimes sexuais. Essa atividade se deu a partir de 2008. Na época o jornal Estado de S. Paulo noticiou essa opção adotada por alguns estupradores ingleses que buscavam uma alternativa à prisão em regime fechado. Mas, e sua eficácia? Lembra-se que logo acima desdenhamos sobre o estupro, que ele não é só o ato sexual em si, mas muito mais amplo e com isso não se abarca somente do líbio do agressor.

 

Punição química no Brasil

Continuando dissertar sobre a castração química, no Brasil existem vários projetos que tentam introduzir esse conceito em nosso ordenamento jurídico. Um dos mais recentes é o Projeto de Lei 5.398/2013 de autoria do deputado federal e pré-candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, que propõe alteração do Código Penal, com o aumento da pena para os crimes de estupro e estupro de vulnerável e exigência que o condenado por esses crimes conclua tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual, como requisito para obtenção de livramento condicional e progressão de regime. Este projeto encontra-se parado desde 2013 na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania e pelo andar da carruagem não sairá de lá por muito tempo, mas por quê?

Porque não há estudos respeitados e comprovados que apontem à eficácia deste tratamento. Há também a indicação de fortes sequelas a estes tipos de indivíduos. Numa rápida pesquisa em sites especializados em saúde, como por exemplo, ao site minhavida.com, a utilização do Acetato de Medroxiprogesterona (um dos princípios ativos que é utilizado para a castração química), traz como efeito colateral o risco de ataque cardíaco, derrame, TVP, embolia pulmonar e câncer, além de algumas combinações perigosas com outros tipos de medicamentos que podem causar até a morte do paciente.

 

Constitucionalidade ou inconstitucionalidade da punição química no Brasil

No aspecto jurídico, os projetos que tratam deste assunto, têm em vista a eminente desobediência aos direitos e garantias individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal, no qual são vedadas as penas de caráter perpétuo, as penas de trabalho forçado, de banimento e as penas cruéis, assegurando a integridade física e moral dos condenados. Seguindo essa linha, o emprego compulsório da castração química afeta a integridade física do indivíduo, contradizendo os princípios fundamentais da CF.

Ao analisarmos a negativa dos projetos em conflito com a CF, nos deparamos com defensores da castração química que justificam sua aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico, com alegações que os efeitos são reversíveis, assim não constituindo, uma pena perpétua e cruel, assim legitimando sua aplicação, utilizando-se das palavras de Geovana Matos, em sua dissertação sobre a castração química apresentada na PUC/RS, “que a duração e interrupção da pena estão subordinadas à análise acerca da periculosidade do agente, estando ausente um prazo determinado para a sua aplicação”. Resumindo: enquanto o Estado considerar o indivíduo, potencialmente, delinquente sexual, a medida continuará a ser aplicada.

A castração química tem como princípio a aplicação e intervenção no organismo desse sujeito, que receberá substâncias hormonais, contrariando totalmente o que prega a CF que proibi penas cruéis e desumanas. Afirma Cezar Bitencourt, no livro Falência da Pena de Prisão (2017), que o problema de aplicabilidade desta pena, “a anestesia sexual por meio de drogas não pode ser considerada uma solução humana adequada ao problema sexual carcerário. Este método, atenta contra um atributo fundamental da pessoa: o direito de manifesta-se sexualmente”.

Por fim, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é indispensável e essencial, vedada a negativa da pessoa, não podendo tratar o ser humano como um simples objeto, sendo até o maior dos criminosos igual em dignidade e reconhecimento como ser humano, tornando assim, no entendimento jurisdicional, inconstitucional a castração química em nosso ordenamento jurídico, como forma de controle obrigacional aos condenados por crimes de estupro.

Um Feliz Natal a todos e que 2018 seja repleto de notícias boas.

Publicado no jornal impresso de dezembro de 2017.

 

Thiago dos Santos Oliveira é bacharel em Ciências Contábeis/UNIPAR, bacharelando em Direito/UNIPAR e participante do Programa de Iniciação Científica, PIC/UNIPAR, Campus Umuarama/PR. E-mail thiago.oliveira.87@edu.unipar.br

Artigo escrito com a orientação do professor Luiz Roberto Prandi, mestre e doutor em Ciências da Educação, conferencista, pesquisador, autor de livros, professor titular e pesquisador da UNIPAR e colunista do Caderno Jurídico. E-mail prandi@prof.unipar.br

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