Publicidade
Publicidade

Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

O ensino religioso confessional. Um desserviço para a escola pública

28/2/2018 às 1h38 | Atualizado em 1/3/2018 às 2h49 - Max Xavier Rocinholi
Luiz Roberto Prandi Max Xavier Rocinholi "Religião e Estado não se podem confundir. Cada qual possui sua esfera de atuação", afirma Max Xavier

Minha saudação aos colegas estudantes e aos leitores do Caderno Jurídico! Estou muito feliz e orgulhoso por me juntar ao time de colunistas do Espaço Acadêmico deste conceituado jornal especializado no Direito. Ter artigo aprovado e publicado é uma grande vitória. Nos presenteia e nos incentiva a pesquisarmos e estudarmos cada vez mais. Muitos outros materiais virão! Neste primeiro escrevemos sobre a doutrinação religiosa nos estabelecimentos públicos de ensino. O Supremo autorizou essa aberração. Agradeço a Deus, minha família e ao professor Luiz Prandi pela eficiente e certeira orientação! Boa leitura!

A temática do ensino religioso nas escolas brasileiras tomou destaque nos últimos dias, ante uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de autorizar o ensino religioso confessional nas escolas públicas de todo o país. Cabe destacar alguns pontos dessa inovação criada por nossa Corte. Tal ensino divide-se em dois, a saber: confessional (e suas variantes interconfessional e supraconfessional) e não confessional. O primeiro modelo pressupõe uma confissão de fé, ou seja, há um direcionamento, colocando-se, assim, uma fé em evidência, em detrimento das demais. Já o ensino religioso não confessional aborda a religião, priorizando a isenção dogmática, tratando das mais diversas religiões com a devida pertinência histórica e conceitual que exercem sobre a humanidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê em seu artigo 210, parágrafo primeiro: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” Dessa forma, a Carta Magna não delimita qual modelo (confessional ou não) deverá ser adotado – de modo que ambos estavam sendo praticados nas escolas. A Lei 9.394/1996 estabelece as bases e diretrizes da educação nacional, vedando, em seu artigo 33, quaisquer formas de proselitismo. Segundo o dicionário Aurélio, proselitismo é “atividade diligente em fazer prosélitos” – termo utilizado para definir, “indivíduo convertido a uma doutrina, uma ideia ou um sistema”. A intenção do legislador foi clara em proibir atividades religiosas confessionais em sala de aula.

A Procuradoria Geral da União (PGR), em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439, questionava nosso modelo de ensino religioso. Segundo a PGR, o ensino deveria ser não confessional, vez que o Estado Brasileiro é laico, CF/88 (artigo 19, inciso I), e, a Lei de Bases e Diretrizes da Educação Nacional veda o proselitismo. Sustentando, assim, que o ensino fosse não confessional e não proselitista. Isento.

Estado laico não é Estado ateu. Distorções enormes são criadas a partir dessa confusão conceitual. Ao criar uma constituição, pressuposto para o reconhecimento existencial de um Estado, o constituinte, segundo as tradições de seu povo, define qual será o modelo de constituição – estabelecendo uma religião oficial ou não. O Brasil tornou-se um Estado laico com o Decreto 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa. Assim, nosso país, laico, não pode favorecer ou perseguir qualquer religião. Já no ateísmo estatal, que não é o caso brasileiro, poderia haver o desestímulo ou impedimento à manifestação de fé.

Considerando-se o fato de o Brasil ser multicultural, impende reconhecer o Estado laico como mais adequado à coexistência das diversas religiões praticadas em terras tupiniquins. Sejam de origem africana, Camdomblé, Umbanda ou, advindas do oriente e do continente europeu, como o judaísmo, o cristianismo e sua derivação protestante.

Autorizar o ensino religioso de modo confessional, como fez o STF, abre a possibilidade de que seja professada em sala de aula uma fé. Com efeito, não pode soar razoável o Estado bancar a custa do contribuinte a formação religiosa de crianças e adolescentes no ensino fundamental, como será. Ademais, a contratação dos professores desta matéria deverá ser abalizada pela autoridade religiosa local. Numa mesma sala pode haver inúmeras crenças. Irreal imaginar um professor para ensinar a religião particular de cada aluno. Não há salas de aula suficientes para ministrar aulas comuns a todos, quiçá uma para cada religião.

Apesar de facultativo, o aluno que opta não frequentar o ensino religioso, fica sem outra atividade em 55% das escolas, segundo o questionário da Prova Brasil (2015), respondida pelos diretores das escolas públicas. A pesquisa aponta ainda que em 37% das escolas tal ensino é obrigatório. Somente 3% delas possuíam caráter confessional, até a pesquisa. A partir da decisão de nossa Corte Suprema, o número pode aumentar, estimulando uma aproximação delicada entre religião e escola.

Pergunta-se: a escola pública brasileira, que por vezes não fornece sequer merenda aos alunos, carece de mais um encargo? Existe estrutura, tempo e orçamento sobrando para tal implementação? A resposta claramente é negativa, pelo já exposto.

 

Tragédias pela religião

Os defensores do ensino religioso confessional, dentre seus argumentos, indicam o ensino neste modelo, sob a égide dos “valores elevados” que ele proporciona, ajudariam na formação. Argumento um tanto quanto falho. Cabe-nos aqui salientar que algumas das maiores tragédias da humanidade foram causadas e ou justificadas por questões religiosas. Desde a inquisição “caça as bruxas”, com pessoas queimadas vivas em praça pública ou as cruzadas no Oriente Médio.

 

Stalin, Hitler e Mussolini

Josef Stalin, segundo as melhores biografias, foi de formação religiosa até os vinte anos. Sua mãe sonhava vê-lo como sacerdote da Igreja Ortodoxa Russa. Entretanto, quando assumiu o controle da União Soviética (1924 - 1953), Stalin matou cerca de dez milhões de fiéis, em nome do ateísmo. Adolf Hitler e Benito Mussolini eram pessoas religiosas. Desta forma, podemos perceber que as pessoas matam com ou sem Deus, em nome desse ou contra. Conforme retratado, percebemos que para o homem Deus não significa necessariamente um mundo mais pacífico.

Ademais, a maior crise diplomática da atualidade é fruto de divergências entre um ateu, Kim Jong-Un (Coreia do Norte) e um religioso Donald Trump (EUA).

Disso exposto, resta que a religião não deve ser ensinada de modo confessional nas escolas públicas. Religião e Estado não se podem confundir. Cada qual possui sua esfera de atuação. A constituição prevê a liberdade de culto e crença (artigo 5º, inciso VI), protegendo as diferentes manifestações de fé. A decisão do STF aqui abordada, da margem a existência de salas individualizadas para cada crença. Um claro desserviço e estímulo à intolerância religiosa. Deve-se estimular a diversidade, o convívio entre os que possuem pensamento divergente.

A religião possui um papel fundamental na história humana, para o bem e para o mal. Essas nuances sobre as diversas religiões é que devem ser abordadas na escola: com isenção dogmática e responsabilidade. A maioria das religiões oferece ensino catequético, dominical, etc. A escola é local de pensamento crítico. Cabe a família a formação religiosa e instrução dos filhos.

Não é assim que entende o Supremo Tribunal Federal. Num futuro não muito distante, podemos cogitar de nossa Corte a resposta fundamental: “Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?”

Somente no país da piada pronta é possível pautar a possibilidade de haver doutrinação religiosa num cenário estudantil onde a maioria não consegue fugir do analfabetismo funcional.

Esperamos que tenham gostado do artigo. Um excelente novembro e início de dezembro a todos. E não deixem de também acompanhar os textos dos outros colegas acadêmicos. Só espiar cadernojuridico.com.br. Até a próxima coluna.

 

Max Xavier Rocinholi é acadêmico do curso de Direito da Universidade Paranaense, UNIPAR, Campus sede de Umuarama. Participante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/UNIPAR. E-mail maxrocinholi@gmail.com

Artigo elaborado sob a orientação do professor doutor Luiz Roberto Prandi. Mestre e doutor em Ciências da Educação, conferencista, pesquisador, autor de livros, professor titular e pesquisador da UNIPAR e colunista destaque do Caderno Jurídico. E-mail prandi@prof.unipar.br

Publicado no jornal impresso de novembro de 2017.

Publicidade

APOIADORES

  • Monica de Oliveira Pereira
Publicidade
  • Descarte correto de lixos e entulhos é no aterro sanitário!