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Jornal Caderno Jurídico

ESPAÇO ACADÊMICO

Sadomasoquismo. Até quando o consentimento do ofendido é válido?

28/2/2018 às 1h25 | Atualizado em 1/3/2018 às 2h51 - Rafael Guimarães Ribeiro
Luiz Roberto Prandi Rafael Guimarães Ribeiro Rafael Ribeiro: buscamos proteger não só a integridade física, mas também a saúde mental e fisiológica da pessoa

Olá leitores e colegas estudantes! É uma grande alegria escrever no Espaço Acadêmico pela segunda vez. Nosso primeiro artigo neste grande jornal jurídico do Paraná foi em junho deste ano e dissertamos sobre “a validade da delação premiada feita por réu preso”. Agradeço a Deus, minha família e ao competente professor Alessandro Dorigon pela orientação. O artigo de novembro faz menção ao sadomasoquismo. Tema quente e polêmico em! Nos preocupamos com a consequência dessas ações no plano jurídico, principalmente na área do Direito Penal. Leiam!

Prazer oriundo da dor! O que a primeira vista parece antitético e incongruente, existe e é fonte de satisfação para alguns, restando saber o limite para a prática desse ato que ofende a integridade física e psíquica dos praticantes.

Inicialmente, neste texto convém fazer a conceituação dos termos. O minidicionário Silveira Bueno, da Língua Portuguesa, conceitua sadismo como “perversão dos que, para atingirem o prazer sexual, praticam atos de crueldade; prazer com o sofrimento alheio”, enquanto o verbete masoquismo é definido em sendo “desvio mental que consiste em sentir prazer com a dor”.

Assim, em breves palavras, a expressão sadomasoquismo, junção dos verbetes supra conceituados, consiste numa atividade, geralmente sendo constituída por atos sexuais, em que os praticantes buscam a obtenção de prazer mediante o emprego de agressões, sufocamentos, entre outras formas de infligir dor no parceiro ou permitindo que o faça em si próprio. A fusão dos termos sadismo e masoquismo se dá, porque geralmente ocorre a necessidade de coexistência de ambos, ou seja, a inflição e o consequente consentimento a respeito da dor em um mesmo ato.

Tendo pleno conhecimento da extensão do assunto, e deixando tal deliberação paras as ciências que estudam a mente e o comportamento humano, nos preocupamos aqui com a consequência dessas ações no plano jurídico, mormente na seara do Direito Penal. Ora, conforme restou explicado, é condição do ato a prática de lesões corporais, sejam estas de natureza grave, leve ou ainda quando agravadas por culpa, para que os praticantes satisfaçam seus libidos sexuais.

Em que pese exista a discussão a respeito da excludente supralegal ‘consentimento do ofendido’ incidir de forma a tornar o fato atípico (excludente de tipicidade) ou antijurídico (excludente de ilicitude/antijuridicidade), filiamo-nos, pelo menos em casos de lesões corporais, à segunda corrente.

Isso porque a antijuridicidade diz respeito a uma atitude do agente contrária ao ordenamento jurídico. Contudo, o legislador apresenta situações que acobertam o agente quanto à ilicitude da conduta, anotando Dorigon (2017, p. 127) que “[...] se estiverem presentes tais causas no fato que causou a lesão a bem jurídico da vítima, o autor de tal fato não deverá ser punido por faltar um dos elementos constitutivos do crime [...]” tal como ocorre, por exemplo, em artes marciais, em que o fato deixa de ser ilícito pelo consentimento dos envolvidos, sendo punível, evidentemente, o cometimento de algum excesso.

A respeito do consentimento do ofendido, convencionou-se alguns critérios para o válido reconhecimento, entre eles a capacidade do ofendido, a anterioridade do consentimento com relação à conduta e a disponibilidade do bem ofendido.

Por essas razões, nos parece mais razoável colocar o consentimento do ofendido como causa de exclusão da antijuridicidade, mesmo que de forma supralegal, pois a mesma retira o caráter ilícito da conduta, assim como as excludentes legais de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever lega e exercício regular do direito.

Definidos tais aspectos que considerávamos forçosos, passemos a analisar se os atos sadomasoquistas de adequam ao tipo incriminador presente no artigo 129 do Código Penal (lesões corporais) ou se o seu consentimento é válido para excluir tal crime frente a antijuridicidade do consentimento do ofendido.

Afastamos, de plano, a incidência da Lei 9.455/97 (Lei de torturas), tendo em vista que, conforme expõe o artigo 1° da referida legislação, para constituir crime de tortura a ação deve ter por finalidade “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou em razão de discriminação racial ou religiosa.”

O mesmo ocorre com os tipos dos artigos 213 (estupro) e 215 (violação sexual mediante fraude), ambos do Código Penal, pois o que consideramos aqui é o livre consentimento, manifestação de vontade e interesse de ambos os participantes, situação que claramente não se adequam aos referidos tipos penais.

O artigo 129 do Código Penal brasileiro, sob a rubrica ‘lesões corporais’, tipifica como crime: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano”. Isso na forma simples, podendo a pena máxima, em caso de lesões corporais gravíssimas ou com resultado morte, chegar a 8 e 12 anos respectivamente.

Conforme traz a boa Doutrina, e recebendo acolhimento jurisprudencial, o que se protege com esse tipo não é só a integridade física no que diz respeito à incolumidade corporal, mas também a saúde mental e fisiológica do indivíduo.

O cerne da questão consiste em saber se, para o Direito Penal, a incolumidade do indivíduo é um bem disponível ou não. O diploma penalista brasileiro parece, entretanto, ter feito sua escolha. Senão vejamos.

Em se tratando de lesões corporais de natureza leve e culposa (artigo 129, caput e § 6°), é definido que a ação penal será pública condicionada à representação, conforme anota o artigo 88 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Assim, o legislador optou por deixar disponível ao lesado escolher se representa ou não em desfavor do agressor nos casos em que as lesões sofridas forem leves ou tiverem se dado por ato culposo do agente, sendo deveras lúcida a conclusão de que o indivíduo pode dispor de sua integridade e incolumidade física apenas nas aludidas hipóteses.

Já nos demais casos de lesão corporal, trazidas pelos §§ 1° a 3°, do citado artigo, são casos de ação penal pública incondicionada, em que cabe privativamente ao Ministério Público o oferecimento da denúncia em face do agente causador das lesões (artigo 129, I, CF).

Dessa forma, à luz dos dispositivos legais, têm-se que nos atos extremos de sadomasoquismo – que envolvem, sem prejuízo de ressaltar, agressões, sufocamentos, queimaduras, etc. – onde uma das partes, ainda que consentindo, reste lesionada gravemente, caso cheguem ao conhecimento das autoridades, deverá ser procedida a abertura de inquérito policial e, posteriormente, oferecida denúncia crime ao Poder Judiciário.

Ademais, o consentimento do ofendido não terá validade nos casos em que se cause lesões corporais graves ou gravíssimas, uma vez que a dignidade da pessoa humana se sobressai à vontade do submisso-vítima, sendo a incolumidade física e psíquica, neste viés, um bem jurídico indisponível com previsão legal nos artigos 1º, inciso III e 5º, inciso III, da Constituição Federal.

Por essas razões, ainda que ocorra o consentimento de ambos na prática do ato sadomasoquista, tem-se que o legislador escolheu pela indisponibilidade da integridade física do indivíduo. Logo, se chegar ao conhecimento das autoridades, o membro do Ministério Público terá de denunciar, restando duas alternativas para os casos de lesões corporais leves e culposas: em sendo preenchidos requisitos de validade da excludente ‘consentimento do ofendido’, pode ser reconhecida a referida excludente de antijuridicidade; ou ainda, pode o Juiz, no máximo, fazer uso da faculdade de substituir a pena de detenção pela de multa (artigo 129, §5°, CP).

 

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DORIGON, A. Execução civil da sentença penal e o novo CPC: a indenização decorrente da sentença penal e suas formas de efetivação. Curitiba: Juruá, 2017.

 

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Rafael Guimarães Ribeiro, acadêmico do curso de Direito da Universidade Paranaense, UNIPAR, Campus sede de Umuarama/PR. Rafael é participante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, PIBIC/UNIPAR.

Artigo elaborado com a orientação de Alessandro Dorigon, advogado e professor titular da UNIPAR, nos Campus de Umuarama, Paranavaí e Cianorte. É mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR e especialista em Direito e Processo Penal pela UEL.

Publicado no jornal impresso de novembro de 2017.

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